Injeção para prevenir HIV mostrou 100% de eficácia em estudo

 



Injeção semestral demonstrou maior proteção contra o vírus em comparação a outros dois medicamentos; remédio de prevenção não é considerado vacina.

Um novo medicamento injetável para a prevenção do HIV mostrou 100% de eficácia em mulheres cisgênero, segundo um grande ensaio clínico realizado na África do Sul e em Uganda. A injeção, aplicada semestralmente, demonstrou maior proteção contra o vírus em comparação com outros dois medicamentos de profilaxia pré-exposição (PrEP).


A eficácia e segurança do medicamento, chamado lenacapavir, foram testadas no ensaio clínico Purpose 1, realizado em três locais de Uganda e 25 locais da África do Sul. O estudo avaliou a eficácia da nova PrEP, injetável, e de outras duas medicações já utilizadas como prevenção da infecção por HIV, ambos comprimidos de uso diário.

Os resultados foram adiantados em junho pela Gilead Sciences, biofarmacêutica que desenvolveu o medicamento. Na quarta-feira (24), os dados foram publicados em artigo científico na revista The New England Journal of Medicine, uma das mais respeitadas no campo da medicina.


Não se trata de uma vacina. O lenacapavir é um inibidor de fusão capside, o que significa que ele interfere no capsídeo do HIV, uma capa de proteína que protege o material genético do vírus e as enzimas necessárias para a replicação. Seu uso é injetável, abaixo da pele, sendo necessária a aplicação apenas duas vezes por ano — uma a cada seis meses.

“Com zero infecções e 100% de eficácia, o lenacapavir semestral demonstrou seu potencial como uma nova ferramenta importante para ajudar a prevenir infecções por HIV”, diz Merdad Parsey, diretor médico da Gilead Sciences, em comunicado. “Estamos ansiosos por resultados adicionais do programa clínico Purpose em andamento e continuamos em direção a nossa meta de ajudar a acabar com a epidemia de HIV para todos, em todos os lugares.”



Como o estudo foi feito?

O ensaio clínico testou se a injeção semestral com lenacapavir era segura e se proporcionaria melhor proteção contra o HIV como PrEP em comparação com o Truvada F/TDF, uma pílula diária utilizada amplamente há mais de uma década como PrEP.

Em segundo lugar, o estudo também testou se o Descovy F/TAF, uma pílula diária parecida com Truvada, porém mais recente e com propriedades farmacocinéticas superiores, era menos ou mais eficaz que a injeção semestral com lenacapavir.

Para isso, mulheres entre 16 e 25 anos foram aleatoriamente designadas para receber um dos três medicamentos: lenacapavir, Truvada ou Descovy. O estudo foi feito de forma duplo-cega, ou seja, nem os participantes, nem os pesquisadores sabiam qual tratamento as mulheres estavam recebendo até o teste clínico terminar.

Segundo o estudo, nenhuma das 2.134 mulheres que receberam lenacapavir contraiu HIV. Ou seja, o medicamento obteve 100% de eficiência na prevenção da infecção. Em comparação, 16 das 1.068 mulheres que tomaram Truvada (1,5%) e 39 das 2.136 que receberam Descovy (1,8%) contraíram o vírus.

Novo medicamento pode aumentar a adesão à PrEP, diz pesquisadora

“Lenacapavir semestral para PrEP, se aprovado, pode fornecer uma nova escolha crítica para a prevenção do HIV que se encaixa nas vidas de muitas pessoas que poderiam se beneficiar da PrEP ao redor do mundo — especialmente mulheres cisgênero”, afirma Linda-Gail Bekker, diretora do Desmond Tutu HIV Center na Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul, e ex-presidente da International Aids Society, em comunicado.

“Embora saibamos que as opções tradicionais de prevenção do HIV são altamente eficazes quando tomadas conforme prescrito, lenacapavir semestral para PrEP pode ajudar a lidar com o estigma e a discriminação que algumas pessoas podem enfrentar ao tomar ou armazenar pílulas orais de PrEP, bem como potencialmente ajudar a aumentar a adesão e persistência da PrEP, dado seu cronograma de dosagem semestral”, avalia.

No ano passado, houve 1,3 milhões de novas infecções por HIV no mundo, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids). A taxa ainda está acima da meta para reduzir o número de novas infecções por HIV para 500 mil casos globais para 2025, estabelecida pela entidade.

A PrEP não é a única forma de prevenir o HIV: ela faz parte de um conjunto de métodos preventivos, incluindo o acesso e uso de preservativos, tratamentos para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e testagem para o vírus.

Próximos passos incluem testes clínicos em homens

Os estudos clínicos do Purpose 1 serão continuados, mas, agora, em uma fase de “rótulo aberto”. Ou seja, os participantes do estudo serão informados se estiveram no grupo que recebeu o medicamento injetável ou as outras opções orais. Eles poderão escolher a PrEP de preferência à medida que o estudo avança.

Outro passo importante é o estudo Purpose 2, que está em andamento e cujos resultados deverão ser divulgados no final deste ano ou início de 2025. O trabalho avalia o lenacapavir semestral para PrEP entre homens cisgêneros que fazem sexo com homens cisgênero, homens transgêneros, mulheres transgêneros e pessoas não-binárias que fazem sexo com parceiros do sexo masculino (designado no nascimento).

O estudo Purpose 2 está em andamento no Brasil, além da Argentina, México, Peru, África do Sul, Tailândia e Estados Unidos.

Se os resultados de ambos os estudos forem positivos, eles serão incluídos no registro regulatório para o uso do lenacapavir como PreEP, para garantir que o medicamento seja aprovado para várias populações e comunidades que precisam de opções adicionais de prevenção ao HIV.

Os resultados deverão ser analisados a órgãos reguladores de cada país. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também analisará os dados e poderá emitir recomendações, podendo adotar o medicamento nas suas diretrizes de prevenção ao HIV.

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