Dia Mundial da Diabetes: Angola necessita de centro de referência para diagnóstico e tratamento da doença

 


Cerca de 537 milhões de pessoas, no mundo, sofrem de diabetes, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em Angola, estima-se que pelo menos 1.800 pessoas têm a doença. Sobre o assunto, a médica endocrinologista Francisca da Silva, defende, em entrevista ao Jornal de Angola, que o país necessita, com urgência, de uma unidade de referência para diagnóstico e tratamento da doença

Qual é a definição que se dá à diabetes?

A diabetes, usualmente denominada por Diabetes Mellitus (DM) é uma síndrome metabólica de origem múltipla, que ocorre pela falta de insulina ou da incapacidade de a insulina exercer, adequadamente, seus efeitos no organismo, originando, assim, altas taxas de açúcar no sangue, a chamada hiperglicemia, de forma permanente. A doença é crónica e, como tal, não tem cura. Apenas faz-se um controle da mesma, com a administração da medicação exacta, boa dieta alimentar e a prática de actividades físicas de forma regular.

 

Quais são as causas da diabetes?

Isto explica-se da seguinte forma. O organismo humano tem uma glândula, que se chama pâncreas. Este contém uma célula denominada beta, que é a responsável pela produção de insulina. Em algumas situações, a própria célula beta deixa de produzir a insulina. Há outros casos em que a insulina produzida não é suficiente para exercer a função de controlar o nível de açúcar no sangue, ingerido através dos alimentos. 

 

Que tipo de diabetes existem?

Na prática, existem três tipos de diabetes. A do tipo um, que é aquela onde a célula beta deixa de produzir a insulina, porque o próprio sistema imunológico ataca estas células privando-as dessa produção. Desta forma, não há como a glicose (açúcar) entrar nas células. Este tipo é o mais comum em crianças, adolescentes e jovens e constitui dez por cento dos casos. Os indivíduos com este tipo de diabetes têm de fazer a medicação, administração de insulina todos os dias da sua vida, porque, se assim não for, podem morrer. Existe também a diabetes do tipo dois, que acontece quando a insulina produzida pela célula beta não é suficiente. É mais comum em pessoas com idade acima dos 40 anos, acima do peso normal, sedentarismo, pessoas com histórico familiar da doença, hipertensos e tabagistas, constituindo, assim, 85 a 90 por cento dos casos.  

 

E, além destes, existem outros tipos?

Ainda temos a diabetes gestacional, que acomete apenas mulheres grávidas. Em regra, este tipo de diabetes ocorre entre as 24 e 28 semanas da gestação. Porque os hormónios que a placenta produz, ao longo da gestação, criam uma resistência à insulina. Logo, a mulher desenvolve a diabetes. E, diferentemente do tipo um e dois, que não têm cura, a gestacional, bem controlada, depois da mulher ter o seu filho, fica resolvida. Daí que são importantes as consultas pré-natais desde o início, para o médico ginecologista obstétrico pedir uma bateria de exames, para verificar o nível de glicemia e saber se a mulher já trás consigo a diabetes, e dependendo do resultado, dar o devido seguimento ao tratamento.    

 

Quando é que um indivíduo pode ser considerado diabético?

Primeiro, tem de se saber quais os valores considerados normais. Para uma pessoa saudável, os valores da glicémia devem estar no intervalo de 70 a 9 miligramas por decilitros (mg/dl), isso em jejum. Já após refeição, pode medir até 140 mg/dl. É considerado diabético quando tiver duas medições da glicemia feitas em dias diferentes e que tenham o valor de 126 mg/dl. Para se confirmar o diagnóstico faz-se o teste oral de tolerância à glicose, que se for maior a 200 mg/dl é diabético. Ou, também, é feita a medição da glicemia ocasional, que se for maior ou igual a 200 mg/dl, associada às queixas clássicas da doença, também se confirma o diagnóstico. E, por último, há o teste de hemoglobina glicada, que se der 6.5 por cento também aponta para a doença.

 

Com que periodicidade se deve medir a glicemia?

Às pessoas normais, aconselha-se a medir a glicemia pelo menos uma vez por ano, para se ter a noção dos níveis de açúcar no sangue. Os diabéticos do tipo dois, devem medir uma vez por semana, e os do tipo um todos os dias.  

 

Se a insulina é produzida pelo pâncreas, em caso de o paciente fazer o transplante do órgão pode resolver o problema da diabetes? 

Sim, o transplante do pâncreas seria de facto uma solução ideal para o problema crónico dos diabéticos.

 

Mas, o que leva o pâncreas a deixar de produzir a insulina? 

Por exemplo, se alguém pesa 60 quilos e, de repente, aumenta para 80 ou 90 quilos, o seu pâncreas terá de trabalhar mais do que o normal para exercer a sua função. Isto cria uma resistência à insulina e vai perdendo a glicémia. Por isso a diabetes do tipo dois está mais associada à idade, à obesidade, sedentarismo e ao colesterol alto. É importante que a população saiba que todos os alimentos contêm açúcar, desde as frutas, cereais, carnes e peixes. Portanto, quando comemos, os alimentos são metabolizados e transformados em açúcares, que depois são distribuídos para os lugares apropriados, como no tecido adiposo (gordura), músculos e fígado. Mas, para que esses açúcares sejam distribuídos, precisam de uma substância, a insulina, que funciona como se fosse uma porta de entrada. Quando o pâncreas deixa de produzir, ou o que produz não é suficiente, então o açúcar não é levado para os lugares certos. Daí que, quando a pessoa mede a glicemia, nota que os níveis de açúcar estão altos.

 

Há alguma explicação sobre o tema escolhido para este ano, em saudação ao Dia Mundial da Diabetes, que é "Educar para proteger o futuro”? 

Por acaso, este tema já foi escolhido o ano passado, e, agora, novamente, porque há de facto a necessidade de se falar mais sobre a doença, para que as pessoas se protejam mais. Se as pessoas forem devidamente educadas, desde a base, a falar sobre as doenças mais comuns e as melhores formas de prevenção, teremos mais diagnósticos precoces e vamos evitar muitas mortes. Só quem convive com a diabetes sabe a magnitude dela. E nós, como especialistas em Endocrinologia, sempre que possível, realizámos palestras e acções de rastreios. Nestes eventos, diagnosticámos sempre muitos casos de diabetes e as pessoas são encaminhadas para as devidas unidades, a fim de serem seguidas e medicadas, regularmente.

 

A falta de conhecimento sobre a doença também é visível no seio dos profissionais de Saúde. Muitos apresentam dificuldades para administrar a insulina quando muitos diabéticos entram em crise. Quer comentar sobre isso?

Na verdade, quando terminámos a Faculdade de Medicina saímos todos com uma valência geral, mas, depois, temos de fazer a especialização. Em princípio, todo o médico é capaz de poder ver um doente diabético e, caso note que o paciente não reage bem, deve encaminhá-lo ao especialista. Mas, notámos que alguns profissionais têm receio de administrar a insulina, porque pensam que podem matar o paciente.

 

Na prática, o que vem a ser a insulina. São ampolas ou soros? 

A insulina é um hormónio, que pode vir em forma de caneta ou em cubos, e tem uma aplicação diária ou bi-diária, dependendo do controle do doente e do tipo da diabetes. Na do tipo um, o paciente deve fazer insulina todos os dias da sua vida. Sendo uma de base que vai imitar o que o pâncreas faz durante 24 horas e, depois, terá de fazer uma insulina após as refeições, para queimar o que entra, porque, quando comemos, ocorre um pico do nível de glicemia, tornando-se necessário baixar esses níveis. Quer dizer que, em média, o diabético do tipo um deve fazer de cinco a seis aplicações diárias de insulina. 

 

Quanto custa uma caneta de insulina? 

Em média, um diabético pode gastar mais de 100 mil Kwanzas por mês, e isso dependendo das doses que terá de fazer, porque cada caneta de insulina custa entre 14 a 15 mil Kwanzas. Portanto, dependendo da quantidade, numa caneta pode sair 10, 20 a 30 doses de insulina, e, além da caneta, deve comprar, também, agulhas, para fazer a aplicação subcutânea. Apesar de ter havido uma isenção das taxas aduaneiras em relação à importação de medicamentos, infelizmente não surtiu grande efeito, porque, por não haver uma inspecção efectiva, cada farmácia hoje especula os preços da sua forma. 

 

Os pacientes diabéticos são ensinados a administrar a insulina?

Sim, nenhum doente sai do hospital sem ser ensinado a administrar correctamente as doses de insulina. Mas, só é autorizado a começar a fazê-lo em casa, quando der garantias de que realmente aprendeu. Do contrário, chama-se algum familiar próximo, com disponibilidade para aprender e administrar a medicação ao paciente. Aliás, todos os membros da família devem estar envolvidos para que o doente não tenha outras complicações.

 

Que tipo de complicações se refere? 

O indivíduo pode ter um infarto agudo do miocárdio. O nervo do olho (retina) fica comprometido a ponto de perder a visão, ter Acidente Vascular Cerebral (AVC), desenvolve a disfunção sexual, em maior número nos homens do que em mulheres, insuficiência renal crónica, lesionar os nervos dos membros inferiores, fazendo com que haja perda de sensibilidade. Pode, por exemplo, pisar um prego ou sofrer um corte de um objecto e nada sentir, e se houver ferimentos é um lugar onde não há oxigénio e o tecido morto, levando a amputação dos membros. 

 

Que cuidados é que os doentes de diabetes devem ter com os pés? 

Nós aconselhamos os doentes para, diariamente, depois de realizarem a higiene corporal, limparem bem os pés, de preferência com uma toalha de cor branca porque, se tiver algum sangramento facilmente dará conta por falta de sensibilidade nas pernas. 

 

Como fazem os pacientes sem possibilidades financeiras para cumprir com a medicação de forma rigorosa? 

Para os pacientes que, por exemplo, recebo em consultas, tenho doado alguma medicação na medida do possível. Quando está a terminar ligam e, com algum esforço, arranjámos alguma coisa para continuarmos a ajudar, porque se não tomarem a medicação podem morrer. 

 

A dimensão crónica da diabetes é que leva muitos doentes a abandonar a medicação? 

Na verdade, um doente diabético deve ser tratado por uma equipa multidisciplinar. Nós, ao longo do tratamento, temos que tentar perceber o doente. Por isso, no ambulatório de diabetes tem de ter um psicólogo clínico, nutricionista e o médico endocrinologista, porque, por vezes, o doente até está a cumprir com a medicação, mas falha na dieta ou não aceita a doença. 

Além da medicação, precisamos trabalhar a mente da pessoa e, se for possível, chamar alguns membros da família, envolvê-los todos, porque o resto será da responsabilidade da família, principalmente a diabetes do tipo um, por acometer crianças e adolescentes. O nosso grande objectivo é prevenir as complicações da doença.

 

Diante deste quadro, não está na hora de todos os hospitais, quer sejam públicos, quer sejam privados, possuírem áreas especializadas para o tratamento da diabetes?

Sim, concordo! Está mais do que na hora. E, podia até ser um único espaço, um centro de referência no tratamento de pessoas diabéticas, onde poderiam ser devidamente assistidas. Neste centro os doentes receberiam as orientações necessárias para controlar o seu quadro clínico. O objectivo é reduzir ao máximo os casos críticos e mortes por diabetes.

 

Quantos médicos endocrinologistas existem no país?

Angola tem 16 médicos endocrinologistas, sendo um na província de Cabinda, um no Huambo e o restante aqui em Luanda. Daí que precisamos, com urgência, de um centro de referência para o tratamento do diabético.

 

Que idade tem o seu paciente mais jovem? 

 Seis anos de idade, e está com a diabetes do tipo um. Mas, isso é frequente em crianças, adolescentes e adultos jovens. 

 

Qual é a realidade da doença em Angola, uma vez que a Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que, uma em cada 10 pessoas, no mundo, sofre de diabetes? 

Segundo estimativas da OMS, Angola tem, aproximadamente, 1.800 pessoas com diabetes, que corresponde à taxa de 5,6 por cento. Mas, isso é só uma estimativa, porque se formos a fundo, o número pode ser maior. A título de exemplo, na Clínica Girassol, onde trabalho e dirijo o Departamento de Consultas Ambulatórias, registámos, em média, cerca de 300 pessoas com diabetes por mês. Se neste hospital privado a média é esta, imaginem, agora, nos hospitais públicos, onde a demanda é bem maior. Daí que, precisamos, com urgência, realizar um estudo profundo sobre a incidência da diabetes no seio da população, para se saber, ao certo, quantos doentes o país tem. E, os resultados desse estudo serão muito úteis, caso o Estado decida avançar para a questão da subvenção da medicação, porque a sua distribuição será feita de forma equitativa. 

 

Quais são os dados que a OMS avança em relação à doença no mundo?

Segundo a OMS, mais de 60 milhões de pessoas a nível do globo desconhecem que são diabéticos, mesmo nos países onde o nível de instrução da população é bastante alto. Imagina-se, agora, no nosso país, onde as pessoas têm uma fraca educação sanitária. A diabetes é um sério problema de Saúde Pública. É causa de morte precoce em jovens e tem grande custo para as famílias. É um duplo fardo para a sociedade. 

 

Qual é a taxa de mortalidade causada pela diabetes? 

Não sei, ao certo, devido à falta de estudos sobre o assunto. Mas deve ser baixa. Na Clínica Girassol, por exemplo, nos últimos tempos, tem havido alguns casos esporádicos, com pessoas jovens. Temos de trabalhar bastante nesse sentido. É uma tarefa que deve ser desenvolvida de forma transversal, envolvendo todas as unidades sanitárias para se ter dados mais concretos.  

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