Angola, um país cujo Presidente alugou um luxuoso avião para se deslocar à Europa, já registou este ano 3.853 óbitos provocados pela malária, de um total de 1,5 milhões de casos referenciados (muitos são os que não entram nesta estatística), que é a principal causa de morte no país, segundo fonte oficial do Ministério da Saúde.
Os dados foram avançados hoje pelo secretário de Estado da Saúde, José Vieira Dias da Cunha, na apresentação do tema sobre “A Malária em Angola no Contexto Actual: Estratégias”, no âmbito do Encontro Metodológico sobre a Malária, a decorrer em Luanda, com a participação de mais de 300 técnicos de todo o país.
Segundo o governante angolano, citado pela agência noticiosa angolana, Angop, foram registados de Janeiro até agora 1.527.238 casos de malária, número que ultrapassa o de 2016, ano em que Angola registou uma epidemia de febre-amarela, com 1.392.051 casos.
Face ao actual quadro, as autoridades sanitárias angolanas já caracterizam 2018 como um ano epidemiológico, sendo as províncias do Cuanza Norte, Bengo e Huambo as mais endémicas.
Luanda, a capital, inclui-se na lista de províncias mais afectadas pela doença, com o registo, no primeiro trimestre deste ano, de mais de 240 mil casos de malária.
Em declarações à imprensa, a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, considerou a prevenção a melhor via para o combate à doença, o que pode ser feito através da luta contra o vector e contra as larvas.
“São muito importantes para evitar que surja o mosquito e, por outro lado, o diagnóstico precoce da doença também é muito importante, assim como o tratamento adequado”, referiu.
Sílvia Lutucuta salientou ainda que a malária é uma doença que entra no grupo de síndromes febris, mas que “nem sempre toda a febre é malária”.
“Nós temos que ter os meios adequados e os profissionais atentos para fazer o diagnóstico adequado e também temos que educar a nossa população a não desvalorizar os quadros de febre, irem precocemente às unidades hospitalares, para serem atendidos e avaliados. Todo o esforço está sendo feito de chegar os medicamentos a todos os níveis”, referiu.
O encontro metodológico visa capacitar os técnicos a garantirem o acesso universal à prevenção, com mosquiteiros impregnados com insecticida de longa duração, abordar o diagnóstico e tratamento da malária de forma uniformizada em adultos, crianças, grávidas e grupos socialmente desfavorecidos.
O caso do Huambo
Mais de 3.000 crianças angolanas com malária grave foram tratadas pela Médicos Sem Fronteiras (MSF) nos primeiros meses do ano só na província angolana do Huambo.
De acordo com informação disponibilizada por aquela organização médica humanitária, a MSF recebeu autorização do Ministério da Saúde angolano para intervir neste surto, “depois de detectar que o número elevado de pessoas afectadas por malária ultrapassava as capacidades dos hospitais municipais e do hospital provincial”.
Actualmente, a organização refere que se observa “uma estabilização no número de doentes” e uma “diminuição da percentagem de crianças admitidas por malária” no Hospital Provincial do Huambo, no planalto central, onde a MSF está a intervir na área da pediatria, mobilizando 100 profissionais.
Em Janeiro, 80% das crianças internadas naquela unidade central apresentavam um quadro de malária grave, percentagem que, segundo a organização, desceu para 50%.
“Até recentemente, tínhamos 400 crianças hospitalizadas por malária todas as semanas, o que também pode ser explicado por um efeito de chamariz que faz com que mais famílias tragam as crianças directamente ao Hospital Provincial. Além disso, a taxa de mortalidade regressou aos níveis normais”, explicou Isabel Grovas, coordenadora da equipa médica de MSF no Huambo.
Aquela equipa colaborou ainda na reabilitação de uma zona do hospital que não estava a ser utilizada, ampliando assim de 65 para 150 o número de camas disponíveis para acomodar crianças com malária.
O objectivo foi que “cada criança pudesse ter a sua própria cama”, acrescentou a responsável da MSF.
A organização admite que a falta de medicamentos junto das populações “precipitou a chegada de crianças em estado muito grave” ao hospital e lembrou que o próprio “acesso às estruturas de saúde também é difícil”.
“A criança adoece e a família espera alguns dias, aguardando que a criança melhore. É quando a situação se torna grave que chegam aos centros de saúde. Frequentemente a morte no hospital ocorria nas duas horas após a admissão, numa fase em que já é demasiado tarde para poder fazer alguma coisa”, destaca Isabel Grovas, sublinhando que a MSF “não tem capacidade para actuar numa província inteira”.
A organização admite que o Huambo “tinha conseguido uma evolução positiva” nos últimos anos, em termos de prevenção e redução da malária, com diferentes organizações a trabalhar na distribuição de redes mosquiteiras, controlo de vectores, exterminação do mosquito e das suas larvas, entre outras actividades.
Contudo, a crise económica (que não atinge as luxuosas deslocações dos governantes ao estrangeiro) que se arrasta desde final 2014 “também teve o seu impacto nesta área, ao qual se somou, no último ano, um aumento da chuva e das temperaturas que causaram uma maior proliferação do mosquito responsável pela transmissão da doença”.
Só para apoiar o combate a esta epidemia no Huambo, a MSF recrutou 34 enfermeiros, 16 médicos e 18 higienistas, colaborando ainda com nove hospitais municipais.
A MSF retomou a actividade em Angola em 2016, após uma ausência de nove anos, para apoiar as autoridades de saúde do país em situações de emergência.
Actuou no Dundo, província da Lunda Norte, em 2017, na assistência aos refugiados da República Democrática do Congo, em Namacunde, no Cunene, também em 2017, num outro pico de malária e desnutrição.
Igualmente nas províncias do Huambo e Benguela, em 2016, durante o surto de febre-amarela, bem como no ano seguinte e já em 2018 no apoio aos episódios de cólera no Uíge, Soyo e Luanda.
Uma, mais uma, vergonha
“Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, afirma o MPLA e João Lourenço. Não havendo nada para melhorar, quando chegará a vez de corrigir o que está mal e que é (quase) tudo?
A malária continua assim satisfeita com a governação do MPLA. Saiu José Eduardo dos Santos e entrou João Lourenço e, ao fim de mais de seis meses da actividade do novo Presidente, a doença continua no primeiro lugar do pódio.
No dia 8 de Fevereiro de 2017, o então ministro da Saúde, Luís Gomes Sambo, dizia que a malária era “um drama para o país”. Um drama que ontem, como hoje e certamente amanhã, atinge sobretudo os 20 milhões de angolanos pobres. Mas os donos do reino continuam a sorrir…
Angola está entre os oito países com mais mortes por malária no mundo, representando juntos 7% do peso global da doença, revelou um relatório da Organização Mundial de Saúde sobre o paludismo. Nada de anormal, portanto.
O país com maior peso nas mortes por malária é a Nigéria, que reúne 26% do total de mortes, seguido da República Democrática do Congo, com 10%.
A Índia, com 6%, o Mali com 5%, a Tanzânia e Moçambique com 4% cada, o Burquina Faso, Angola, Costa do Marfim, Gana, Uganda e Quénia (3% cada), e o Níger, são os restantes 11 países.
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